Desde domingo, as redes sociais do Brasil estão inflamadas com um único tema: a cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal, ambos candidatos à prefeitura de São Paulo. Além dos memes, há quem lamente a violência do ato – e com razão –, mas esta é apenas a ponta de um iceberg que vem se formando há anos.
Desde muito antes da cadeirada a política brasileira vem sendo assombrada por figuras que primam pela baixaria, Pablo Marçal é ‘apenas’ a mais recente delas. Há uns anos, um certo deputado federal que elogiava torturadores e fazia odes à ditadura militar – o que é ilegal – disse a uma colega de plenário que só não lhe estupraria porque ela não merecia, e sob o registro de câmeras. No entanto, tal desrespeito, gravíssimo, incompatível com o que se espera de um parlamentar, não afetou sua trajetória política. Sabemos que, anos depois, ele se tornou presidente. Foram quatro anos de baixaria como palavra de ordem no Planalto – e com uma pandemia no meio.
Hoje a baixaria não só é esperada como também desejada. Virou entretenimento.
E justiça seja feita: apesar da expertise brasileira na criação de memes, esse achincalhe do processo político não é originalmente nosso. A tática de implodir qualquer chance de confronto saudável de ideias foi importada dos EUA. A fórmula, lançada por Donald Trump em seu primeiro pleito, se configura pelo uso do púlpito para falar absurdos, criteriosamente recortados em vídeos menores, a serem reproduzidos exaustivamente em redes sociais. Um observador mais atento desse fenômeno agora deve estar refletindo se há ou não um desgaste em curso, sobretudo com a atuação ao vivo de profissionais de fact-checking. Saberemos em breve.
Voltando à maior cidade do país: antes da cadeirada, Marçal desceu a níveis baixíssimos contra seus oponentes. Culpou Tábata Amaral pelo suicídio de seu próprio pai; afirmou – sem provas, como de praxe – que Guilherme Boulos nunca havia trabalhado e que era usuário de cocaína; e sugeriu que Datena fosse estuprador. Nada disso o retirou do pleito. Nada disso sequer nos espanta!
E se a candidatura de Marçal não foi impugnada diante de tantas violências retóricas – que talvez machuquem mais do que uma cadeirada -, estamos validando a baixaria mais uma vez. Portanto, é de se concluir que domingo passado, vimos apenas mais um capítulo do espetáculo grotesco o qual se tornou o cenário político, graças a seres como o autodenominado coach e que tais.
A cadeirada é mais um recorte tragicômico desse entretenimento. Mas, agora que são conhecidas as estratégias de quem deseja se promover apenas com cliques e não com projetos, há que se constituir uma força-tarefa para retirar do debate os que não querem debater. Precisamos de uma mobilização da sociedade civil, dos meios de comunicação, do judiciário, dos parlamentares e da iniciativa privada para restaurar o respeito aos processos inerentes à democracia, reconstruindo os pilares que foram implodidos por esses aventureiros.