Escrever o editorial desta news que vai para tanta gente importante é sempre uma honra e uma responsabilidade. Quando o convite chega, sentimentos conflitantes passam pela minha cabeça: ‘Nossa, eu tô podendo muito!’; ‘Mas, será que as pessoas querem ler sobre os meus temas de interesse?’; e, principalmente, ‘Será que MEREÇO mesmo expor minhas ideias em um espaço de tanto prestígio?’.
A questão do merecimento tem sido um tema recorrente nas minhas reflexões recentes. E, é claro que, sendo uma mulher preta, isso passa, invariavelmente, pela questão racial. A gente aprende, desde muito jovem, que para sermos reconhecidas por algo, temos que fazer 3, 4, 5 vezes mais do que pessoas brancas. No campo dos sentimentos, lidamos com o lugar de preterimento, ficando, em muitos casos, com quem não nos interessa tanto só para não lidar com a solidão.
O sarrafo que mede o que merecemos (ou não) está pautado pela cor da nossa pele. No início desta semana, vimos o prêmio Bola de Ouro ser entregue a um jogador branco, quando o mais cotado (e verdadeiro merecedor) era Vini Jr, preto, um gigante dentro e fora dos campos. E ele não é o único a ser boicotado pelo racismo. No mundo da música, Beyoncé, a maior vencedora da história dos Grammys, nunca recebeu o prêmio de álbum do ano – honraria máxima, apesar de todo o alvoroço causado pelos icônicos Lemonade, em 2017, e Renaissance, em 2023. Preciso dizer que foram artistas brancos que levaram?
O mais cruel desse sistema, que tem o racismo como uma de suas principais engrenagens, é que, quando chegamos lá, quando passamos a ocupar o lugar mais alto que tanto merecemos, nos questionamos: ‘será que eu deveria mesmo estar aqui?’.
Recentemente, fui promovida à coordenadora de contas na ALTER. Não por eu ser simpática ou porque as diretoras gostam de mim, mas pela minha competência, dedicação e comprometimento com o meu trabalho. Venho almejando essa posição há algum tempo e, mesmo assim, ao receber a notícia, me questionei. Depois de algumas sessões de terapia, consegui espanar essas ideias inadequadas, sentei na minha cadeira (metaforicamente falando) e hoje sou a melhor coordenadora que posso ser, acertando e errando, e tá tudo bem! Adaptando um pouco a frase do Vini Jr., eu não vou aceitar ser vítima do racismo, vou ser algoz dele, indo na direção contrária que historicamente ele vem tentando me empurrar.
Por isso, vou usar este editorial badaladíssimo para falar com você, pessoa preta que me lê: a gente merece SIM. Vamos ocupar os espaços que são nossos, por mérito e direito! E para as brancas, um lembrete: não adianta se revoltar com o Bola de Ouro e continuar nos preterindo nas relações pessoais e de trabalho. Sejam coerentes.
* Em novembro, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por autoras e autores negras e negros. Um símbolo para que ultrapassemos — enquanto sociedade — as fronteiras do mês e tenhamos vozes negras sempre, ativas e ecoantes. Acompanhe conosco!