Nos próximos anos, a Amazônia, nossa maior riqueza, será cada vez mais o centro das discussões políticas do mundo. E isto já não é mais novidade para o Brasil, que, recentemente, acompanhou de perto os efeitos negativos da falta de políticas públicas pela preservação do bioma, que vem sofrendo sistematicamente com o desmatamento.
Mas para além do indiscutível papel climático, ainda falta um olhar humanizado para a floresta. Os povos tradicionais que ali vivem – sejam indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais e muitos outros – precisam ser ouvidos e têm muito a nos ensinar sobre o meio ambiente e nossas prioridades para o futuro.
Ainda existem consensos, construídos por olhares colonialistas, que precisam ser quebrados para que a preservação da floresta seja efetiva para todos. Por exemplo, quando se fala em valorização da Amazônia, a perspectiva de quem vive na floresta é realmente levada em consideração? Pessoas que nasceram e cresceram no meio urbano têm a real dimensão do que é progresso para estes povos?
Mas afinal, o que é riqueza?
Durante a última semana, duas pessoas da equipe Alter tiveram a oportunidade de participar de uma imersão em Santa Helena do Inglês, comunidade tradicional no interior da Amazônia, às margens do Rio Negro. A comunidade pode ser considerada como um dos modelos de atuação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), cliente Alter, que realiza seu trabalho em 16 Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia profunda.
Em poucas horas de conversa com pessoas que vivem ou descendem de povos tradicionais, pode-se perceber algo muito explícito: nossos conceitos de riqueza precisam ser repensados. Principalmente porque não existe pobreza em comunidades tradicionais. O que existe é a falta de acesso a serviços básicos como saúde e educação, uma vez que o poder público muitas vezes se exime da responsabilidade de atender às demandas destas pessoas sem atravessá-las com uma visão colonial de qualidade de vida.
Desde falas que refletem o profundo desconhecimento do que é o modo de vida tradicional a tentativas de transformar estas pessoas em engrenagens do sistema em que vivemos. Algumas destas frentes representam verdadeiramente estas comunidades? Não podemos esquecer que as comunidades tradicionais são diversas, com tradições e configurações distintas entre si. Elas não são representadas em sua totalidade nas esferas públicas e, pior, ainda são desconhecidas por boa parte da população.
E a integração econômica desses povos?
Em um momento onde havia aproximadamente 140 profissionais que atuam com a FAS diariamente na comunidade, que teve sua dinâmica local completamente modificada, pudemos ver o esforço dos comunitários para dar a melhor recepção possível. A atividade movimentou as pessoas dali e de algumas comunidades vizinhas para que elas pudessem oferecer uma estadia de excelência para todos os presentes.
Isso porque a base da economia da Reserva é o ecoturismo e o artesanato. O trabalho manual que transforma sementes de açaí em biojóias ou o serviço oferecido na pousada às margens do Rio Negro nos oferecem um pouco da Amazônia, mas também garante o sustento para as famílias que ali vivem. E é desta harmonia entre ambiente e pessoas que se perpetua o desejo de manter a floresta ali em volta preservada.
Entender a geração de renda para estas comunidades é entender o papel que cada uma destas atividades desempenha. Cada produto da cadeia sustentável é aproveitado ao seu máximo, e não existe desperdício de recursos. Em números, mais de 680 turistas passaram pelos empreendimentos de turismo sustentável atendidos pela FAS na RDS do Rio Negro em 2021, gerando um faturamento bruto de mais de R$ 906 mil. Na cadeia do artesanato apoiada pela FAS, os grupos de artesãos faturaram 196% a mais do que em 2020, representando um ganho de aproximadamente R$ 3.640 de renda média para cada família.
O uso sustentável do ecossistema é o que permite a imersão daqueles que se dispõem a navegar por quatro horas no Rio Negro por uma experiência única. E é sempre importante lembrar: o que para os turistas é um lazer temporário, para aquelas pessoas é a vida. Crianças que crescem tomando banho como lazer, crescem entendendo que não existe qualidade vida sem a Amazônia.
Sentir-se em casa quando se está a 2.850 km de distância foi possível ao se despir de conceitos enraizados e realmente entender como o modo de vida tradicional funciona. Precisamos ouvir a floresta e as pessoas que ali vivem, porque sem isso, não existe progresso.